O subsídio que retira a preocupação do assassino e planta a semente da revolta na família da vítima.
O Paradoxal Incentivo do Auxílio-Reclusão
O crime, as penas e a polêmica dos benefícios às famílias
Quando a gente liga a TV ou abre a internet e vê um crime, a pergunta que fica é sempre a mesma:
“Por que a família do criminoso recebe dinheiro do governo e a família da vítima não?”
Essa sensação de injustiça tem motivo. E nesse texto eu te explico de forma simples, sem palavras difíceis, como funciona a lei no Brasil, por que isso acontece e te mostro exemplos reais.
1. O que é o tal do auxílio-reclusão?
O auxílio-reclusão é um benefício criado pela Previdência Social. Ele está escrito na Lei nº 8.213/1991.
É isso mesmo que você já ouviu muitas vezes:
A família do preso pode receber dinheiro todo mês.
E isso é legal, está na lei.
A regra está no artigo que fala dos benefícios previdenciários. De forma simples, é assim que a lei funciona:
“O auxílio-reclusão será devido, nas mesmas condições da pensão por morte, aos dependentes do segurado recolhido à prisão.”
(Lei nº 8.213/1991, art. 80)
Ou seja:
- o preso tem que ter contribuído para o INSS antes;
- tem que ser considerado segurado de baixa renda;
- tem que estar em regime fechado.
Se cumprir isso, a família dele recebe.
E a família da vítima?
Aí a história já não é tão simples…
2. A pensão da vítima: o lado que quase ninguém vê
A lei também prevê pensão para a família da pessoa que morreu.
Mas aí vem o detalhe escondido:
Para a família da vítima receber, a vítima precisava estar contribuindo para o INSS.
Se não estava pagando, ou se a burocracia emperrar, a família fica sem pensão.
Ou seja:
- A vítima precisa ter pago INSS.
- O preso também precisa ter pago INSS.
A diferença é que no caso do preso, o governo corre para pagar aos dependentes.
No caso da vítima… muitas famílias ficam anos brigando na Justiça.
3. A lei que impede assassinos de receberem pensão (mas só depois que a Justiça termina o processo)
Existe uma regra muito importante:
“Perde o direito à pensão por morte o condenado por crime doloso que tenha resultado na morte do segurado.”
(Lei nº 8.213/1991, art. 74, §1º)
Isso significa:
se alguém mata uma pessoa da própria família e é condenado, não pode receber pensão por morte dela.
Mas tem um detalhe muito grave:
- a pessoa só perde o benefício após condenação definitiva;
- ou seja, depois que não cabe mais recurso.
E isso no Brasil pode demorar anos.
Durante esse período, pode acontecer de o INSS aprovar benefício para alguém que depois será considerado indigno.
Isso revolta muita gente — com razão.
4. Casos reais que mostram esse problema no Brasil
A seguir, vou colocar alguns casos que saíram na imprensa e que mostram por que a população se indigna.
CASO 1 — Ciclista Vitor Medrado (São Paulo)
O ciclista foi morto durante um assalto na região do Itaim Bibi.
O caso foi tratado como latrocínio.
Situação geral:
- A família da vítima ficou desamparada.
- Já a família dos criminosos, caso eles fossem segurados do INSS, poderia pedir auxílio-reclusão.
CASO 2 — Morte do delegado Josenildo (São Paulo)
O delegado foi morto após confronto com criminosos.
Situação geral:
- A família do delegado teve dificuldade burocrática para conseguir a pensão.
- Dependendo do histórico dos criminosos, suas famílias poderiam solicitar auxílio-reclusão.
CASO 3 — Caso Natany Alves Sales (Ceará)
Natany foi assassinada e os envolvidos foram denunciados por latrocínio.
Situação geral:
- Mais uma vez: família da vítima sofrendo, sem apoio rápido.
- Família dos acusados pode ter acesso ao auxílio enquanto eles estão presos.
5. Por que isso gera tanta revolta no povo?
Porque para quem está do lado de fora, parece assim:
O governo dá mais direitos para a família do criminoso do que para a família da vítima.
E não é só impressão. Veja por quê:
✔ A burocracia é mais rápida para a família do preso.
O sistema foi feito para evitar que dependentes fiquem desamparados.
Mas na prática, quem morre deixa dependentes igualmente desamparados.
✔ A condenação demora anos.
Enquanto o preso não tem condenação definitiva, nada impede a concessão de benefícios.
✔ A vítima normalmente não tinha vínculo com o INSS.
O trabalhador informal é quem mais morre no Brasil, e esse trabalhador normalmente não contribui.
✔ Muitas famílias das vítimas nunca conseguem nada.
Ou porque não conseguem provar dependência, ou porque a pessoa não contribuía, ou porque o INSS nega.
6. O resultado disso na vida real
No fim das contas, acontece algo que machuca o coração do brasileiro:
- A mãe do preso recebe auxílio;
- A mãe da vítima cria os filhos com a ajuda dos vizinhos.
É por isso que tanta gente repete:
“No Brasil, o errado está protegido. O certo é que sofre.”
7. E por que a lei foi feita desse jeito?
A justificativa do Estado é esta:
O dependente da pessoa presa não tem culpa pelo crime cometido.
Isso é verdade.
Mas também é verdade que:
A família da vítima também não tem culpa.
E mesmo assim é a que mais sofre.
A lei protege um lado, mas não protege o outro.
E isso precisa ser discutido.
8. A verdade escondida
O auxílio-reclusão, na prática, atua como um incentivo indireto à criminalidade. De um lado, ele remove a maior barreira moral e financeira do potencial criminoso: a preocupação com o desamparo de seus filhos, já que o governo irá prover o sustento de seus dependentes e isso pode servir de argumento para os que pensam em cometer algum crime, incluindo a própria família do criminoso. Do outro lado, o impacto é ainda mais perverso: os filhos da vítima, desamparados, podem crescer em dificuldades extremas, enxergando a impunidade do Estado e a injustiça cometida contra sua família. Essa combinação de abandono, revolta e falta de orientação (neste caso, do ente querido), podem empurrar a nova geração para o mundo do crime, seja por necessidade de sobrevivência ou pela perda de sentido em ser um ‘cidadão de bem’, perpetuando o ciclo de violência e desmoralização social.”
9. Fontes das matérias citadas
(Referências utilizadas no texto.)
Reportagens e explicações do INSS sobre pensão por morte, auxílio-reclusão.
Caso Natany Alves Sales (Ceará).
Caso Vitor Medrado, ciclista (São Paulo).
Caso do delegado Josenildo (São Paulo).
Lei nº 8.213/1991 — artigos 74 e 80.







