2.000 pessoas expulsas de suas casas no Ceará
Uma crise humanitária silenciosa vem acontecendo no interior do Ceará. No distrito de Uiraponga, pertencente ao município de Morada Nova, cerca de 2.000 moradores abandonaram suas casas às pressas após ameaças diretas do crime organizado. Escolas, igrejas, comércios e postos de saúde fecharam. Ruas vazias, portas trancadas e um silêncio incomum transformaram o local em uma verdadeira cidade fantasma.
A fuga não ocorreu por catástrofe natural ou acidente. O motivo foi simples e cruel: o crime ordenou que todos saíssem.
O estopim: a soltura de um líder criminoso
Em setembro de 2024, o Tribunal de Justiça do Ceará inocentou e libertou José Vítor da Silva Nazário, conhecido como Playboy, acusado de integrar facção criminosa, portar armas ilegalmente e corromper menores. O tribunal alegou insuficiência de provas para a condenação.
Poucos meses depois de ser solto, Playboy iniciou uma ofensiva contra seus rivais e passou a ameaçar moradores. Quem não obedecesse às ordens seria morto: se não sair, morre.
Um dos casos que mais chocou a população foi a execução de um homem de 50 anos, deixado morto na praça central como ameaça pública. Em seguida, o êxodo começou.
Hoje, apenas cinco famílias permanecem em Uiraponga, vivendo sob medo e incerteza. A maioria não acredita que conseguiria voltar com segurança.
Por que expulsar toda a população?
A pergunta mais feita pelos próprios moradores é: qual o objetivo de esvaziar uma cidade inteira?
Segundo investigações, o motivo está na disputa entre dois líderes criminosos:
- José Vítor “Playboy”
- Gilberto de Oliveira Cazuza, o “Mingau”
Ambos disputam o controle territorial da região. Esvaziar o distrito serviria para:
- impedir que moradores ajudem ou protejam rivais,
- evitar circulação de testemunhas,
- facilitar ações armadas,
- controlar o território com menos resistência civil.
O objetivo não era ganhar dinheiro com moradores, mas dominar o território.
Mais casos no estado
A expulsão de moradores não foi um caso isolado. Em Fortaleza, no Residencial Cidade Jardim, famílias foram obrigadas a abandonar seus apartamentos após ordens de criminosos. A polícia esteve presente apenas para garantir que moradores retirassem os móveis com segurança, e não para garantir que permanecessem em suas casas.
Na prática, o recado foi claro:
é possível sair, mas não é possível ficar.
Isso é terrorismo?
A Lei Antiterrorismo de 2016 descreve terrorismo como ações que:
- geram medo e pânico generalizado,
- intimidam populações,
- violam direitos fundamentais,
- atacam templos religiosos ou manifestações de fé.
Na mesma semana em que Uiraponga foi esvaziada, templos de matriz africana em Maracanaú foram ameaçados por criminosos.
Mesmo que facções não sejam oficialmente classificadas como terroristas, seus atos se enquadram no que a lei define como terrorismo.
Segurança pública no contramão do país
Os homicídios no Ceará aumentaram em 10,5%, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. O Ceará registrou a maior taxa do país, com 34,42 homicídios a cada 100 mil habitantes.
O estado aparece com três cidades entre as dez mais violentas do país. Maranguape em 1º, Caucaia em 8º e Maracanaú em 9º.
Mesmo assim, o ministro da Justiça Ricardo Lewandowski e autoridades estaduais já afirmaram publicamente que o Ceará seria “exemplo” em segurança pública.
O atual governador do estado é Elmano de Freitas (PT).
Apesar de declarações otimistas do governo, moradores afirmam que a presença do Estado desapareceu onde era mais necessária.
Quando o Estado perde e o crime assume
A frase de um morador resume o absurdo:
“A polícia garante que eu saia com a mudança, mas não garante que eu fique para viver.”
É impossível chamar isso de normalidade.
Quando cidadãos abandonam suas casas acompanhados pela polícia, significa que a autoridade oficial não controla o território — o crime controla.
Uiraponga é o retrato de um problema que não pode mais ser ignorado:
cidades brasileiras sendo tomadas por facções, famílias expulsas e comunidades dissolvidas à força.
Reflexão final
O que aconteceu no Ceará não é apenas violência.
É a substituição da lei por ameaças, da segurança por medo, do lar por exílio.
E a pergunta é inevitável:
- Quanto tempo até que novas cidades vivam o mesmo destino?
- Quem protege o cidadão quando o Estado não consegue?
- E quando uma população inteira foge por ordem de criminosos, como isso não é chamado de terrorismo?
Enquanto o Brasil não discutir esse problema com seriedade, outras Uirapongas podem surgir — silenciosamente, à sombra da impunidade.







